O Outro lado da Bola || Álvaro Campos, Alê Braga e Jean Diaz

 



Aquela jornada que fala sobre a parte que o futebol não mostra...


Olá, amores! Mila aqui e irei falar sobre um quadrinho que estava parado na estante e foi uma experiência bem diferente.
Lançada em 2018 pela Editora Record, O Outro Lado da Bola é uma graphic novel nacional ousada e necessária, que traz à tona um dos maiores tabus do universo esportivo: a homofobia no futebol. Com roteiro de Álvaro Campos e Alê Braga, e desenhos intensos de Jean Diaz, a obra mergulha de cabeça em um campo onde o preconceito ainda marca mais presença do que a liberdade de ser.

A trama acompanha Cristiano, um dos maiores astros do futebol brasileiro, que joga por um clube fictício (mas claramente inspirado em grandes times). Cris é talentoso, admirado pela torcida e essencial para o time. No entanto, guarda um segredo: ele é gay. Quando seu ex-namorado é brutalmente assassinado em um crime de ódio, Cris decide não se esconder mais. Durante uma entrevista televisionada, ele revela publicamente sua orientação sexual. A partir desse momento, a bola rola em outro campo: o das consequências.





O roteiro da HQ não se controla em mostrar os bastidores do futebol com todas as suas feridas abertas. A diretoria do clube se divide; o patrocinador ameaça romper o contrato; a torcida que antes o idolatrava, passa a ser super agressiva e hostil. Até seus companheiros de time revelam posturas conservadoras e hipócritas. Tudo isso é retratado com realismo, mostrando que a história não tenta suavizar os impactos de um gesto tão corajoso quanto controverso dentro do contexto machista e homofóbico do esporte.

Outro ponto forte da obra é a forma como ela evidencia que o futebol ainda parece estagnado quando o assunto é diversidade. A HQ denuncia a forma como o esporte mais popular do país reforça padrões masculinos tóxicos e usa o silêncio como ferramenta de repressão. 






A arte de Jean Diaz contribui de forma poderosa para o impacto emocional da obra. Seus traços realistas e intensos capturam dor, raiva, vergonha e coragem. A ambientação, os vestiários, os gramados e as arquibancadas contrastam com a vulnerabilidade dos personagens. As cores escuras e a paleta sóbria reforçam o tom pesado da narrativa, sem roubar o protagonismo da mensagem.

O protagonista Cris é um personagem que fica fácil de entender, e sua jornada pessoal com certeza tocará quem já precisou enfrentar ambientes hostis por ser diferente. Ao seu redor, vemos um pedacinho do que representa a sociedade brasileira: dirigentes gananciosos, colegas omissos, torcedores agressivos e jornalistas sensacionalistas. Mas também há esperança, principalmente nas figuras que, mesmo relutantes, passam a rever seus preconceitos ao longo da história.




Ao falar de homossexualidade em um território tão blindado quanto o futebol, a obra coloca o dedo na ferida e exige um olhar mais humano para os atletas que vivem sob a pressão da perfeição heteronormativa. A HQ não oferece soluções fáceis já que elas não existem, mas aponta o caminho da empatia, do diálogo e da visibilidade como formas de resistência.

E vale pontuar que a HQ tem todo um estilo e linguagem feita para quem está ambientado ao meio futebolístico. O que não é meu caso e, em alguns momentos, o desenvolvimento pareceu cansativo por causa disso. E não, não é uma HQ que levanta a bandeira com força, mas é bem direcionada a héteros fechados em seu mundo do esporte. 

Ao fim da leitura, sinto que ninguém sairá totalmente ileso da mensagem passada. A narrativa provoca reflexão, desconforto e, acima de tudo, questionamento. Por que ainda é tão difícil ser livre no meio esportivo? Por que tantos talentos precisam escolher entre o armário ou o viver escondidos e com medo? "O Outro Lado da Bola" escancara que o verdadeiro jogo, muitas vezes, acontece longe do gramado e os gols mais difíceis são os que envolvem identidade, coragem e verdade.

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