O Outro Lado: uma lenda bretã - Conde Eric Stenbock

 


    Olá, cheirosos!

    Não há nada melhor do que ler uma história e ter um sentimento nostálgico. De lembrar que alguém leu ou contou a você obras com aquela mesma essência, que servem como um alerta às crianças desobedientes que não escutam os pais e têm que lidar com os monstros posteriormente. O Outro Lado, escrito em 1893 pelo Conde Stenbock, conserva esta sensação ao nos narrar uma história fantástica sobre criaturas sombrias, flores mágicas e um menino curioso.

 

"Havia uma floresta, uma aldeia e um riacho; a aldeia ficava em uma das margens do riacho, e ninguém ousava atravessar para o outro lado."


   Gabriel, um menino que ajuda nas missas, é visto como incomum pelos habitantes da aldeia, isso devido a sua gentileza e olhar sonhador. Mesmo ouvindo as velhinhas locais contando histórias sombrias sobre "o outro lado" e como era perigoso ir para lá, sente que alguma força estranha sempre pareceu atraí-lo para as margens do riacho fronteiriço. Uma noite, ao caminhar próximo as águas, ele vê uma grande flor azul de perfume inebriante "do outro lado" e, pensando que a pequena transgressão de atravessar o riacho passará despercebida, decide se aventurar. 


    Logo um mundo de novas espécies parece se abrir diante de seus olhos, mas nada o fascina mais do que a garota de cabelos longos dourados com estranhos olhos azuis que se transforma em lobo. Ao retornar para casa, decide mostrar a flor a mãe que de imediato a reconhece como a flor da bruxa. Decidido a permanecer com o artefato, Gabriel a esconde dentro da roupa próximo ao coração, logo sua personalidade e corpo parecem deteriorar.

 

"Entrarei no altar de Deus" [...] "Que em nada alegrou minha juventude" 

 

    Em O Outro Lado, Stenbock nos agracia com um conto repleto de elementos sobrenaturais macabros, porém não mostra intenção de explorar seu potencial fantástico, pois sua existência é meramente simbólica. Sua escrita sombria e melancólica foca na crise de valores que observava na sociedade, onde ser uma pessoa diferente era um problema maior do que ter atitudes perversas. Bem, aviso daqui que o conto de 31 páginas vai se tornar confuso e repleto de simbologias, pois é importante que o leitor tenha conhecimento sobre a biografia do autor e o movimento decadentista para entende-lo.


Eric Stenbock

    Eric Stenbock, nascido em 1860, era filho de aristocratas que possuíam grandes propriedades na Estônia. Seu pai não chegou a ver o crescimento do jovem, pois veio a falecer pouco tempo depois. Sua mãe logo se casou novamente, desta vez com o funcionário do Tesouro do governo britânico, Frank Mowatt. As informações sobre Eric costumam ser escassas, porém se sabe que o jovem ingressou em algumas escolas a desejo do padrasto. Em uma carta a Nikolai Stenbock, Mowatt escreveu:


"Eric, como você sabe, tornou-se um católico romano. É uma tristeza muito grande para sua mãe e para mim e tenho certeza que causará desgosto a toda família. No entanto, ele ainda é jovem e talvez em Kolk (residência sede dos Stenbock), onde há muito poucos padres, ele possa ficar mais sábio à medida que envelhece e novamente se juntar a alguma religião menos ridícula. A saúde de Eric durante os últimos anos não tem sido boa e isso dificultou muito sua educação. No entanto, ele agora está muito bem e forte, como você descobrirá quando ele chegar."

 

    Contudo o desgosto de Mowatt quanto a Eric não ficou restrito a conversão à uma "religião ridícula", pois o mesmo percebeu que o rapaz agia fora dos padrões esperados e possuía uma natureza esbanjadora. Logo Eric começou a publicar seus escritos, um deles Myrtle, Rue, And Cypress foi dedicado ao pintor pré-rafaelita Simeon Solomon que havia sido preso alguns anos antes e internado à força em um asilo para loucos por atividade homossexual em um banheiro público. Outro foi dedicado a um primo muito próximo, tão próximo que a família via com desaprovação. Aos poucos se tornou evidente o amor de Stenbock por rapazes, assim como a desolação que caminhava ao lado de sua escrita.


Simeon Solomon


    No livro The Magical World of Aleister Crowley, Francis King relata que a medida que envelhecia, Eric Stenbock tentava entender a própria homossexualidade com base no ocultismo e, casualmente, via esta condição como um aspecto do vampirismo e da licantropia. Stenbock também se sentia dividido entre o Catolicismo e o Satanismo, informações que trazem clareza quanto a simbologia usada no conto.


    Infelizmente uma vida desregrada era comum aos artistas da corrente decadentista, Eric veio falecer com o diagnóstico de cirrose hepática, ascite e astenia aos 35 anos. Todos que o conheciam falavam que o jovem tinha tantos vícios que era quase impossível contá-los.


    A escrita e história de Eric me deixaram curiosa para conhecer as demais obras do autor, entretanto elas são muito raras. Mas quem sabe, não é? Publicado pela editora Wish através da Sociedade das Relíquias Literárias, O Outro Lado tem apenas 31 páginas é facilmente encontrado na versão ebook na Amazon. Muito recomendado, especialmente para os amantes dos Irmãos Grimm! 😉

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