Solitária - Eliane Alves Cruz



Sinopse: Solitária conta a história de duas mulheres negras, Mabel e Eunice, mãe e filha, que moram no trabalho, um condomínio de luxo desses encontrados em qualquer grande cidade brasileira. Eunice, a mãe, é testemunha-chave de um crime chocante ocorrido na casa dos patrões. Mabel, a filha, constrói o caminho que leva não apenas à elucidação deste crime, mas a uma mudança radical na vida das pessoas que cercam as protagonistas.


Em prosa ágil, intensa e assertiva, Eliana Alves Cruz constrói uma miríade de histórias que revolve o imaginário do trabalho doméstico no Brasil ― ainda tão vinculado à época escravocrata ― e o relaciona a questões contemporâneas urgentes como a pandemia, o debate sobre ações afirmativas e a luta por direitos reprodutivos.

Testemunho de uma crucial mudança de sensibilidade no espírito de nosso tempo, Solitária dá provas do quão urgente se tornou elaborar ― sem meias palavras ― não apenas a história, mas as sobrevidas da escravidão colonial. Ao fazê-lo, mostra como é possível enfrentar o desafio moral e ético de abordar essas experiências de vida sem replicar gratuitamente a violência que a sustenta nem reencenar nenhum pacto oculto de subalternidade. É um romance libertação.


Darth Nyx está de volta, e trazendo uma indicação que foge completamente das leituras mais românticas ou fantasiosas, hoje vamos falar da realidade de muitas famílias do Brasil e do mundo. Vamos conhecer Solitária, de Eliana Alves Cruz.

A autora, Eliana, nos apresenta para uma história contada em três atos, por filha, mãe e um quarto. Com uma escrita que tem ritmo e o jeito de contar uma história como se estivesse sentada ao seu lado tomando um café fresquinho e beliscando um bolo, a autora vai passando por todos os relatos dos anos de trabalho de Eunice para uma família de posses. Fazendo quem lê muitas vezes ser cutucado por já ter ouvido algum caso parecido. Afinal, todos sabemos o que "quase da família" quer dizer.
 
Aquelas pessoas têm certeza de que nascemos para servi-las e de que o nosso caminho é apenas um. 

Com muito cuidado e sem deixar de expressar a realidade, a autora mostra pelos olhos das personagens como muitos vêem que desde cedo, algumas pessoas já "servem para o trabalho", enquanto seus filhos são tratados como o futuro da nação. Eliana nos mostra situações onde quem tem tudo, acha que é natural os outros não terem nada e claro, o que é escravidão? Será que não eram só pessoas que tinham preguiça de trabalhar? Sem meias palavras, ela também traz luz para este mal que não deixa de nós assombrar, com discursos que só ajudam a intensificar a falta de informação. 

Acompanhando o Brasil do começo dos anos 2000 até tempos mais atuais. Mabel, uma jovem que desde muito cedo acompanha a mãe em suas idas para o trabalho e aprendeu mais rápido do que a ler, que lugar de filha de empregada é dentro do quartinho e não perambulando pela casa dos patrões. Ela cresce e estuda nos arredores de onde a mãe trabalha, sempre buscando aprender para melhorar a vida da mãe. É ali que ela vive o primeiro amor e também os terrores que podem vir com ele.

Quem também sonhou muito e ainda sonha é Eunice, que cuidando de sua mãe doente e ainda ajudando a sustentar sua filha que teve muito cedo na vida, aceitou trabalhar na casa de uma família rica, sempre engolindo bem mais do que um ser humano deveria. Seu grande amor da juventude já não é mais tão encantador e ela vive com um olhar mais duro sobre o mundo.
 
Hoje fico com pena do sacrifício que era se tornar invisível. Além dos espaços apertados que ocupávamos, o silêncio era um companheiro. Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança que é a filha dessa mulher também deve ser.

Por fim, o quartinho que tudo acompanha não deixa de ser parte da trama, e tem também sua fala e lugar de respeito, já que muito do futuro, se formou ali dentro. Suas paredes que se conectam com o todo é como uma vida sem voz, apenas feita para tudo saber e nada poder revelar. Nem mesmo em casos onde sua sabedoria mudaria o rumo das coisas. 

Não sei se por ter crescido em uma região mais periférica de São Paulo, ou talvez por sempre ouvir histórias dos meus pais que já trabalharam em casas de família, mas esse livro foi uma das leituras mais intensas que já fiz e se tornou meu favorito.

Eu recomendo ele para todo mundo, é uma obra que deveria ser tão famosa quanto Torto Arado, mas se quer um parâmetro, se você gosta de histórias que mostram o choque de realidades diferentes vai certamente gostar, principalmente se gostou de Parasita, o filme de 2019, do diretor Bong Joon-ho.

Espero que se ler, aproveite muito e reflita a cada passagem, a realidade não é bonita e a verdade é escancarada ali. Precisamos mudar nosso país e ter consciência do que está errado pode ser a chave.

Já conhecia a autora Eliana Alves Cruz? Gostam de leituras que te fazem confrontar a realidade?

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