É um novo velho mundo...

 


Olá seres amigos da internet! Teu miasma favorito (@t.scornaienchi) que esteve espreitando pelos confins internáufragos retorna para uma gloriosa e esporádica participação aqui neste cantinho reconfortante e quentinho do amado blog para deliberar sobre nosso novo velho mundo.

Aos leitores mais calejados, (e eu espero muito que vocês ainda estejam aí), quero deixar um abraço e pedir paciência, pois minha série de textos que se seguirá por aqui terá como objetivo abordar nosso tão querido universo dos animes. Mas dessa vez, com uma perspectiva mais ampla em determinados aspectos e filosófica em outros. Aos novos leitores, sejam bem vindos! Estão prestes a ler as deliberações e maquinações de uma mente hiperativa e caótica
Fiquem à vontade e não reparem na bagunça. Já faz um tempo que não recebo visitas mas, se vocês ficarem, vai ter bolo!


Que bolo? Bom, agora especificamente estamos falando do bolo do mercado, um que todos querem uma fatia e alguns andam pegando a mais para levar escondido pra casa. Mas, antes disso, vamos falar um pouco sobre animes no Ocidente!


A história da indústria de animes no Ocidente se equivale a ler uma estimulante coleção de livros contínuos onde o autor realmente melhorou muito ao longo da obra mas, chegando nos volumes finais, deu ouvido demais aos fãs e acabou estragando a obra. E pode não parecer, mas essa história se inicia para nós Brasileiros por volta de 1960…

Por volta da década de 60 do milénio passado, alguns animes chegavam ao Brasil para serem exibidos em Tv aberta, uns mais relevantes, outros menos. Mas, o caso que mais me atrai para falar a respeito seria o de National Kid, seriado que foi originalmente pensado para ser um grande merchandising da fábrica “National Eletronics”.

National Kid

Por um motivo ou por outro o seriado não angariou muita popularidade global, ficou relativamente popular no Brasil e no Japão e, apesar da boa produção da Toei Company, ele acabou se encerrando com apenas 39 episódios gravados em uma única temporada.

Mas o que um tokusatsu ancião, (praticamente um vovô dos Power Rangers), tem a ver com o mercado global dos animes? Bem, a referência principal aqui é de que a opinião ocidental para o que ditava ou não as tendências da indústria era pouco ou nada relevante e, por muitos anos, o mercado ocidental e oriental de anime foram tratados de forma separada e isolada. Sejam por normas sociais, órgãos regularizadores ou por uma mera impressão estereotipada de mercado, talvez um dos exemplos mais absurdos seja o de Sakura Card Captors.
Aqui no Brasil conhecemos uma versão levemente censurada em sua dublagem. Porém, nos Estados Unidos, a obra foi editada e recortada para que o personagem principal fosse, pasmem, o Syaoran Li! A motivação por detrás disso é que na visão dos empresários norte americanos, uma animação de aventura venderia mais produtos se tivesse como público alvo pessoas que se identificassem mais com o arquétipo de Syaoran, algo como “meninas não gostam de ação” e todo aquele papo machista e patriarcal que ironicamente a própria CLAMP (autora e idealizadora do universo e personagens de Sakura Card Captors) fazia questão de se opor em suas obras.
Syaoran, Sakura Card Captores
Mas não só isso! O acesso às animações, suas localizações, e o escopo em geral que chegava à massa popular através da tv aberta ou a cabo, limitavam em muito o público e o conhecimento em geral. Ainda mais se considerarmos que os animes eram naturalmente tratados como algo voltado a um público infanto juvenil. Ou seja, isso fazia obras como One Piece chegassem ao público com tamanha censura que nosso bom e velho Sanji chupava um pirulito ao invés de fumar seu clássico cigarro. E nem vou comentar do Smoker que falava como se tivesse dois charutos na boca, mas na animação não tinha nenhum.


Censuras em One Piece

Censuras diversas e um conhecimento limitado da cultura tornavam o mercado de animes no ocidente apenas uma espécie de laboratório para as empresas venderem aquilo que funcionava no oriente. O tempo passou, a internet cresceu e, com isso, o acesso a essa cultura e conteúdo se tornou maior. Agora, não cabia somente a tv selecionar o que o público gostaria de ver ou não, a comunidade se uniu e cada grupo de fãs criou as suas próprias formas de legendar e exibir animes, assim construindo uma relação mais ampla com o público em geral.


O trabalho feito por fãs para fãs proporcionou um volume e uma variedade maior de animes que chegavam de alguma forma ao público ocidental. Porém, como tudo era feito de forma não oficial ou regularizada, o mercado oriental ainda ignorava as tendências preferidas do público latino americano, algo relativamente compreensível uma vez que não havia números oficiais do quanto uma animação ou outra estava sendo aceita ou não pelo público. Além disso, por muitos anos nós recebíamos as obras com certo atraso pois os sites que realizavam a tradução e a legenda, ficavam a mercê de conseguir os episódios por vias não oficiais. Isso se estendeu por toda a da década de 90, mas a chegada do novo milénio mudou o mercado de animes ocidental.


Em meados de 2006 nascia em São Francisco nossa querida e estimada laranjinha: a CrunchyRoll. A empresa que surfou nas ondas dos streams para atender ao nicho dos fãs de anime desse lado do hemisfério! Com isso, os fãs poderiam ter acesso às suas obras favoritas de forma licenciada, legal e até dublados e legendados em sua própria língua! Bem, ao menos nos Estados Unidos já que para nós, brasucas, a Crunch só bateu a porta em 2012, 6 anos mais tarde e, mesmo com esses diversos benefícios, a comunidade custou a aderir a plataforma.
E por quê? Em parte por já estarem supridos de seus anseios e desejos pelas obras de forma gratuita e, por outro lado, a própria comunidade já tinha um apreço pelas legendas e traduções feitas de forma não oficial. Por ser feito para fãs, isso unia todo mundo mas, as terras sem leis da internet acabaram se deparando com um novo xerife e ele pesou na conta das maiores comunidades de legendas e traduções não oficiais.

Com a chegada de um stream regularizado que tinha como foco esse mercado com uma equipe jurídica experiente, bem estruturada e com um grande plano de marketing, logo a CrunchyRoll foi se estabelecendo no mercado, proporcionando acesso a diversas obras por meios oficiais e preços acessíveis. E, nos bastidores, realizando uma caça às bruxas daqueles que utilizavam as obras das quais ela havia adquirido o direito de exibição.
Antes da Crunch aqui no Brasil, vale lembrar que a Netflix e a Amazon Prime já bebericavam da fonte das mídias de estilo anime, mas nunca foi o derradeiro foco dessas empresas. A laranjinha veio com dois pés no peito e não só procurando pela sua fatia do bolo, mas sim pelo bolo inteiro e mais uns salgadinhos que conseguiu meter pra dentro da bolsa.
Catálogo de animes da Netflix

Não demorou muito para que o mercado ao redor tomasse outras formas e proporções.

Grandes hits atemporais como Naruto ou One Piece eram um estímulo por si só. Porém, muito mais do que isso, a Crunch era capaz de trazer obras que nunca antes haviam chegado às grandes massas de fãs de forma prática e acessível. A comunidade aprendeu a coexistir com a empresa e uma bela e feliz relação de amizade estava começando a se formar. Tão bela que outros também tentaram beber dessa fonte e agora vamos falar, rapidamente, sobre a Funimation.


Funimation foi uma empresa que, dentre as suas várias atividades, tinha também o nicho de exibição de animes por meio de stream, oferecendo suas próprias dublagens e simulcasts, que são nossas queridas exibições simultâneas onde podemos ver um episódio de um anime legendado para a nossa língua no mesmo dia em que ele é lançado no Japão (mágico não?).
Retentora de diversos títulos considerados mega hits como Demon Slayer, ela ganhou relevância como um canal de streams de animes. Além disso, a empresa pertencia ao grupo Sony, então havia nela um poder capital latente muito grande. Mas, apesar dos pesares, a Funimation nunca conquistou o coração da grande massa de fãs como a CrunchyRoll conseguiu.

Demon Slayer

Por um tempo, as duas competiram cabeça a cabeça até que a Funimation se utilizou da velha filosofia: “Se não pode vencê-los, junte-se a eles!” ou na versão capitalista “Se não pode vencê-los, faça uma oferta!”. E foi assim que, em meados de 2020, a Crunch e a Sony começaram a negociar a fusão de suas plataformas e, a essa altura, ambas estavam bem estabelecidas e já possuíam individualmente o licenciamento de diversas obras, além da CrunchyRoll já estar manifestando interesse de produzir seus próprios anime.

A compra da CrunchyRoll pela Funimation enfim ocorreu em 2021 após um processo relativamente demorado. Mas quando ocorreu, a Sony logo manifestou desejo e interesse de unificar as plataformas, decidindo assim centralizar tudo na laranjinha, o que fez a Crunchyroll-Hime dar pulinhos de alegria e a Sony ficar no comando da maior plataforma de streams de animes do Ocidente.
(Hime, mascote da Crunchyroll)


Dessa forma, mais obras foram dubladas, tornando-as mais acessíveis para o público geral e ampliando o alcance da mídia. Com isso, um volume maior de obras foi trazida para o ocidente, fazendo com que o mercado olhasse para nós com mais cobiça e dando mais ouvidos às nossas tendências também!
Animes como Spy Family e Haikyuu! ganharam suas dublagens, algo que nem sonhávamos ser possível anos atrás.


Claro que quando algo cheira a dinheiro, as grandes empresas do ramo acabam se atraindo mais. E enquanto algumas se consolidavam como gigantes do stream, tal como a Amazon e a Netflix (que como eu disse antes já bebiam dessa fonte e investiram para pegar sua fatia do bolo), outras nasciam gigantes.
Estamos falando da empresa do Mickey Mouse, que vem vagarosamente se tornando um dos maiores monopólios de cultura pop do planeta. A Disney, em seu crescimento e ascensão, acabou adquirindo franquias milionárias como Star Wars e MARVEL. Esta última foi uma grande motivação para que a gigante do Mickey comprasse a FOX, que por muitos anos reteve os direitos de diversos personagens da MARVEL tais como: o Quarteto Fantástico e os X-Men!

E como a Disney entra nesse baile? Bem, não faz muito tempo que ela começou a estudar a exibição de animes em sua plataforma STAR+, adquirindo para exibição o anime “Summer Time Rendering”, um pequeno experimento para sentir se existe um público em potencial que adquiriria o serviço para ver esse tipo de conteúdo. Pequeno porém não inofensivo. Devo lembrar que, atualmente, a Sony retem não só a maior plataforma de stream com foco em anime, como também está em uma espécie de guarda compartilhada do Homem-Aranha com a Disney. E, sabe… o Rato comprou a Fox por muito menos.


Claro que nesse ponto passamos do factual ao especulativo e, pessoalmente falando, não acho que exista uma real forma de monopolizar a exibição dos animes no ocidente. Aqui a comunidade se formou e se sustentou através da pirataria e, mesmo que hoje em dia haja uma espécie de coexistência velada dessa comunidade pirata e das gigantes do stream, para mim está bem evidente que caso haja algum tipo de abuso da parte dos streams, a comunidade como um todo se uniria para derrubar isso.
Para o bem ou para o mal essa massa de fãs é relevante e errática. Se isso faz dessa massa uma espécie de órgão fiscalizador vigilante ao melhor estilo de Justiceiro? Bom, aí já seria especular demais. A questão real é que nos levou muito tempo para chegarmos onde chegamos e, provavelmente, obras como Nagatoro ou Mushoku Tensei nunca chegariam até nós se o oriente não levasse em conta nossa importância mercantil. E talvez obras como Avatar - The Last Air Bender e Radiant nunca tivessem visto a luz do dia, assim como tantas outras que foram incorporando o estilo midiático do anime e abrangendo essa grande piscina de público em potencial.

Esse mundo já existe há muito tempo mas, ainda assim, é totalmente novo. Temos de aguardar os desdobramentos dessa popularização e ver até onde conseguimos navegar nos mares infindos de novas obras que surgem sazonalmente.

Não sei vocês mas, de certo modo, isso até me empolga. Qual será o futuro dos animes? Seria a Coréia uma nova potência de conteúdo original? A CrunchyRoll está segura mesmo com o rato à espreita?


Os homens de cultura já começaram a ouvir o som de Roundabout do Yes crescendo ao fundo, a tela se tornando cinza e o dedilhado tão característico de JoJo’s se formando… Todos sabemos que teremos que aguardar a continuação!



Por curiosidade, qual foi o primeiro contato com animes que vocês tiveram? Também surfaram pelos mares da pirataria?

Comenta aí pra sabermos!

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