Arcane || 2021 - 2023
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Olá, amores! Mila aqui e queria saber se estão preparados para uma das melhores análises que teremos sobre uma série? E dessa vez a responsável é a escritora convidada Maluuu (@luizafordelonne).Sigam ela para mais insights incríveis!
E vamos ao que interessa!
COMO ARCANE REFLETE O CENÁRIO SOCIO-POLÍTICO DO SÉCULO XIX E XX ENQUANTO SE TORNA UMA DAS MELHORES SÉRIES DOS ÚLTIMOS TEMPOS.
Arcane, série que dá início as animações do universo de League of Legends, nos concede uma aula de criação de mundo, construção de personagem e imersão em produções audiovisuais. Lançada no final de 2021, a trama remonta aspectos extremamente marcantes do século XX ao contar a história das irmãs de Zaun: Vi e Powder, além de abrir margem para a exploração da realidade de Runeterra, sendo essa gigantesca e repleta de narrativas.
Na primeira temporada, o conflito se concentra nas diferenças sociais entre Piltover: a cidade da inovação e do avanço científico, e Zaun: a vila marginalizada que está fadada à pobreza, ao crime e ao esquecimento. As irmãs Vi e Powder são vítimas da violência imposta por Piltover aos zaunistas, ambas perdem os pais numa batalha contra a guarda da cidade e são forçadas a sobreviverem em meio ao caos da sub-feria. A história ganha um ar interessante quando, após furtarem o apartamento de um cientista do Lado Alto e assistirem a morte do pai adotivo, as duas irmãs seguem caminhos distintos, cada uma com personalidades e objetivos próprios.
A narrativa de Arcane impressiona pela estrutura bem delineada. Os três primeiros episódios se concentram na construção do universo e na infância que molda as protagonistas, estabelecendo uma base sólida para os eventos que se desenrolam nos seis episódios seguintes. Essa divisão permite que as motivações dos personagens conduzam as ações, cujos impactos reverberam no enredo de forma coerente e consequente. Essa dinâmica é um dos elementos que tornam a primeira temporada tão envolvente.
Após a separação das irmãs, um salto temporal nos apresenta a ascensão da tecnologia Hextec, criada pelo cientista Jayce, cujos protótipos foram roubados anteriormente pelo grupo de Vi. Nesse contexto, Jayce e Viktor ganham mais destaque enquanto Jinx, agora consolidada em sua nova identidade, provoca caos ao incendiar uma exposição de Hextec. O incidente atrai a atenção da polícia, levando Caitlyn, integrante dos Defensores, a iniciar uma investigação que a conecta a Vi, presa devido ao assalto ao apartamento de Jayce. Essa conexão demonstra como os eventos se entrelaçam organicamente, criando uma trama rica em ramificações sem recorrer à introdução de elementos desconexos ao conflito principal.
Diante de tamanha complexidade, é difícil resumir a grandiosidade dessa narrativa em um único texto sem sacrificar detalhes importantes. Portanto, que tal abordarmos questões específicas para aprofundar a análise? Por exemplo: como Arcane reflete os desafios e avanços do século XX? Ou ainda, como a arte visual amplifica a imersão no mundo da série? Também podemos explorar os principais tópicos do enredo. Vamos?
Deixo claro que a partir de agora, teremos uma análise detalhada sobre as temporadas, momentos, fatos e se não gosta de spoiler... avisamos para passar longe.
Ou seja, CONTÉM SPOILER.
SEMIÓTICA
O protagonista passa pelo arrependimento, pela ira e pela frustração até alcançar um rancor palpável.
Ao ser abandonada pela irmã após a explosão, Powder perde seu último alicerce. A raiva, a culpa e o trauma fazem com que ela se transforme em JINX.
A referência a obra de Alexandre Cabanel nos permite premeditar o futuro da personagem, que posteriormente é vista pelos cidadãos de Piltover como alguém subvertido e maléfico.
ARTE E IMERSÃO
O poder da CONCEPT ART
A arte desempenha um papel crucial na imersão proporcionada por Arcane. A Riot optou por uma abordagem inovadora e de alto custo ao dar vida à concept art sem comprometer seus detalhes e a essência de uma pintura. Essa escolha não apenas destaca a identidade visual única da série, mas também intensifica a conexão emocional do público com o mundo e os personagens apresentados.
As manchas de tinta nos elementos fazem com que qualquer painel da série vire uma verdadeira obra em que é preciso analisar com cuidado suas minuciosidades. Ficamos tão maravilhados e intrigados com as cores e a quantidade de miudezas dentro das cenas que é impossível não nos sentir totalmente absortos no que estamos assistindo, o que é uma ótima estratégia para prender a atenção do espectador e fazer com que ele se sinta parte daquele universo. Uma grande certeza é que Arcane também é uma experiência sensorial.
Ademais, o investimento na produção de músicas coerentes com o enredo deixa tudo ainda mais emocionante e envolvente.
“Remember Me” é a trilha sonora que acompanha Warwick em sua luta para lembrar do passado como humano. Em Arcane, Warwick é o que resta de Vander, um líder protetor de Zaun que sacrificou tudo para cuidar das irmãs Vi e Powder. Após sua morte, ele foi transformado em uma criatura feroz por experimentos químicos conduzidos por Singed. A cena, estilizada em aquarela, utiliza a transição fluida de memórias através da textura de papel molhado, criando um efeito visual que reforça a ideia de estarmos mergulhando nas profundezas das lembranças fragmentadas de Vander. O papel molhado parece revelar camadas de memória, como se cada nova lembrança emergisse de uma superfície recém-aberta.
A letra de Remember Me também reflete a dura realidade dos moradores de Zaun, uma vida marcada por sofrimento e opressão, ao mesmo tempo que dialoga com a história das irmãs Vi e Powder, conectando os personagens em uma trama de perda e resiliência.
ART NOUVEAU, ART DECO E STEAMPUNK
A forma como Arcane utiliza diversas habilidades e competências do mundo da arte já não é novidade, mas a maneira como a animação consegue misturar composições de movimentos diferentes em um mesmo plano é simplesmente espetacular.
“O pano de fundo histórico-cultural do século XIX – com suas com-
plexas e amplas transformações, as quais afetaram profundamente as experiên-
cias humanas – tem inspirado diferentes grupos juvenis em suas dinâmicas cul-
turais contemporâneas.”
https://revistacmc.espm.br/revistacmc/article/view/307/pdf
O steampunk e o retrofuturismo são elementos gráficos amplamente explorados na série. A alusão à Belle Époque e ao final da Era Vitoriana é evidente, criando uma fusão única entre o imaginário moderno e a estética punk. A combinação de tecnologias avançadas com engrenagens e o estilo vitoriano molda grande parte da identidade visual da série, compondo cerca de 90% de seu design gráfico. No entanto, essa estética não se limita ao steampunk; muitas composições também incorporam influências do Art Nouveau e do Art Déco, acrescentando camadas de sofisticação e diversidade ao universo visual apresentado. Essa mistura de estilos enriquece a atmosfera da série, tornando-a visualmente cativante e culturalmente rica.
Art Nouveau é um estilo que surgiu entre o final do século XIX e início do século XX. Apesar de ser independente ao surgimento das Vanguardas, essa técnica cresceu na Europa em meio ao desenvolvimento industrial e avanço tecnológico, principal mote da Cidade Alta. Entretanto, também é possível encontrá-la na arquitetura de Zaun e nas artes presentes nas paredes da vila, uma vez que apesar de serem esquecidos, alguns de seus moradores, como Ekko e Jinx, também carregam o dom científico.
No episódio 7 da segunda temporada, nos encontramos numa realidade alternativa em que os zaunistas, apesar de ainda serem negligenciados, possuem mais recursos e visibilidade para investir em seus inventores. É interessante pensar que a realidade na qual a anomalia levou Ekko poderia ter sido, de fato, um reflexo da vida que ele gostaria de viver, sendo essa pautada nas invenções, no seu romance com Powder e em estar perto das pessoas que ama. O senso de dever desse personagem ganha destaque quando o mesmo renuncia a vida que gostaria de viver para lutar e salvar sua realidade original. (Ele entrega tudo, entrega carisma, entrega moda, entrega atitude, heroísmo, diversas referências de culturas africanas, TUDO)
Ekko e Art Nouveau - Ekko e o Tempo (ampulheta)
Nature Punk
Dessa forma, a técnica procura casar a produção artística com a produção industrial, utilizando como recurso referências do cubismo e de formas geométricas. Portanto, a escolha desses elementos visuais para a série registra sua proximidade com o contexto histórico do século anterior: tecnologia, rupturas e, claro, a guerra.
O AUTORITARISMO DE AMBESSA
Ambessa Medarda, para mim, é uma das melhores personagens de Arcane. Acho que é importante considerar que essa resenha é feita com base na animação e não na história oficial de League of Legends. Essa última já nos conta coisas que nós, como meros espectadores da série, não sabemos, muito menos podemos prever.
Ambessa, uma figura de Noxus que exala autoridade e violência, é apresentada como uma personagem feminina imponente e implacável. Sua crueldade e impiedade, porém, são compreendidas à luz de suas motivações: a perda de um dos filhos para a entidade Rosa Negra e a constante ameaça à sua posição política em sua terra natal. Determinada a ascender politicamente em Piltover, Ambessa encontra-se em uma situação de tudo ou nada, movida tanto por sua dor pessoal quanto por sua ambição implacável. Sua presença é um reflexo do poder bruto de Noxus, mas também de uma mãe endurecida pelas perdas e pelos desafios de seu mundo.
Entretanto, seu plano de ascensão política leva o Lado Alto a um posicionamento ainda mais duro e atroz em relação a Zaun e Jinx, se aproveitando especialmente do luto e da fragilidade emocional de Caitlyn, filha de Cassandra Kiramman, importante conselheira morta por Jinx em seu ataque ao conselho.
A grande questão é que após a aparente tomada de controle pela general noxiana e sua quebra de confiança em Cait, a guerra e a devastação tomam conta do enredo. Ambessa busca a todo custo a tomada de Piltover, sempre com o seu visual autoritário e violento, característico do século XX. É mais do que conveniente para ela o terror imposto por Jinx aos moradores e aos conselheiros remanescentes e assim, com uma boa dose de história, nos mostra mais uma vez que, para o surgimento de um regime totalitário, basta uma ameaça comum. Acontece que cabe a nós, diante de todo cenário político que nos é entregue em Arcane, fazer o seguinte questionamento: “Por que a paz é sempre a justificativa para a violência?"
CAITLYN KIRAMMAN E O PODER DA COROA
Caitlyn, depois de Powder, é a personagem mais bem construída na minha visão. Amiga de Jayce e sucessora da família Kiramman, Cait desde pequena demonstra ter um coração bondoso e empático. Ao crescer, se torna membro dos defensores de Piltover e, consequentemente, uma peça principal para a trama.
Personagens miméticos que apresentam momentos antagônicos frequentemente são mal vistos, justamente por não seguirem o desenvolvimento linear tradicional do herói. Caitlyn é um exemplo que contraria essa percepção. Desde o início, ao investigar o paradeiro de Jinx e se envolver com Vi, ela oferece ao público a esperança de um futuro diferente... um universo onde a subferia e a elite de Piltover poderiam coexistir. Caitlyn surge como uma figura com potencial para promover mudanças, alguém com uma voz política que, ao contrário de muitos, não despreza nem condena os moradores de Zaun. Sua postura reforça a complexidade de seu papel na narrativa e a torna um símbolo de equilíbrio em meio ao conflito entre dois mundos opostos.
Após a morte de sua mãe no atentado ao conselho, Caitlyn sofre uma transformação drástica. Consumida pelo luto, pela raiva e pela fragilidade emocional, ela abandona sua relação com Vi e a empatia que antes nutria pelos moradores de Zaun. Essa mudança a leva a aliar-se a Ambessa e sua implacável determinação de eliminar Jinx. Para os fãs do relacionamento entre Caitlyn e Vi (famoso Caitvi), esse desdobramento é particularmente frustrante. A expectativa de um mundo melhor desmorona, e o ambiente torna-se pesado e sombrio. A instabilidade política reflete-se na própria Caitlyn, que parece perder o rumo em meio ao caos. Até mesmo uma traição emocional foi adicionada à trama, tornando esse momento ainda mais difícil de digerir para os espectadores.
Mesmo assim, é impossível negar nossas raízes. Quando Ambessa expõe claramente os motivos por trás de suas ações, a policial faz uma pergunta contundente: 'Por que a paz é sempre a justificativa para a violência?'
Essa é, sem dúvida, uma das cenas mais emblemáticas de Arcane. Um questionamento vivo, real e tão, mas tão próximo da nossa própria realidade, que é impossível não se emocionar. A resposta é simples, mas carrega uma complexidade imensa. O peso da coroa é um fardo difícil de carregar; ser alguém que toma decisões importantes exige sabedoria e paciência.
Enxergar além de si mesmo, renunciando aos próprios desejos em nome da paz, em vez de ceder ao egoísmo e à violência, é algo raro nos dias de hoje. Mas Caitlyn Kiramman nos ensina – e de forma brilhante – a força de perdoar e a coragem de acreditar no futuro.
Mesmo com ódio, Cait assiste Jinx salvá-la da morte, entende como a irmã é importante para Vi e se reergue como uma verdadeira comandante de Piltover. Munida do seu próprio coração, monta seu exército e vai à guerra contra Ambessa.
CONCLUSÃO
Apesar de parecer longa, essa análise não abarca nem metade de toda a imensidão da adaptação. É possível levantar diversos outros tópicos sobre personagens e ideias implícitas dentro da trama, mas o tempo é curto e o post longo demais, sinto que vale mais a pena se debruçar nessa obra prima que é Arcane, que, na minha humilde opinião, é uma das melhores animações dos últimos tempos. Mesmo assim, foi um prazer poder escrever para o blog! Espero poder vir aqui mais vezes e, quem sabe, comentar mais sobre as próximas histórias do universo de League of Legends. Bjuu 💖
Para os curiosos, vocês podem conferir o trailer da primeira temporada aqui:
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