Laranja Mecânica - Anthony Burgess
Olá Druguis da internet! Teu miasma favorito, Thiago, voltando após um período de tratamento de choque na prisão, para compartilhar com vocês as impressões sobre essa obra literária que propõe uma experiência de imersão peculiar e intensa!
Quando recebi o Laranja Mecânica de Anthony Burgess na caixa da Aleph, pensei que me faltava um pouco de profundidade para dar ao livro a atenção que ele merece. Eu já havia lido a obra anteriormente, mas foi nessa releitura que consegui captar a essência, pois existe muita violência descrita no livro e, até certo ponto, violência gratuita. Mas, talvez a crítica real de Burgess esteja voltada justamente à esses excessos.
Para quem não conhece o livro, a narrativa é feita pela perspectiva de um adolescente chamado Alex, um jovem delinquente que tem como hábito sair com seus amigos e cometer crimes diversos. Crimes de intensidade variada mas, em suma, são práticas violentas como espancamentos, estupros e roubos. Porém, certa vez quando tentam roubar uma senhora idosa, ela consegue denunciá-los à polícia. Assim, Alex que foi traído por seus “Druguis” (que no vocabulário do livro significa amigo), é detido e condenado a 14 anos de prisão. No entanto, logo em seus primeiros dois anos ele se demonstra selvagem demais, violento demais o que faz dele uma cobaia perfeita para um novo método de inibição de impulsos criminosos que o governo quer implantar. O método nada mais é do que um tratamento de choque onde o indivíduo é submetido a sessões intensas de exposição a conteúdo violento, filmes contendo todo o tipo de violência, e durante essas sessões uma droga que provoca dor e mal estar é injetada no criminoso para assim, ele associar qualquer impulso violento com a sensação da droga. E isso faz com que o detento crie uma repulsa à violência e opte por um viés mais pacífico e submisso.
Alex ainda adolescente é tratado dessa forma e, após seu tratamento, ele é reinserido na sociedade.
Talvez essa etapa pós tratamento seja o real cerne da obra. Alex agora é um cidadão com aversão total a violência, não poderia usá-la nem em legítima defesa, porém a sociedade a sua volta ainda é violenta e, nesse ponto, tudo aquilo que ele fez em um passado se volta contra ele.
A discussão proposta em Laranja Mecânica talvez não seja tão óbvia a princípio, claro que a violência é algo impactante durante todo o livro, tanto a violência exercida por Alex quanto a sofrida por ele. Porém, acho necessário ressaltar que a forma que o governo usa para “curar” o indivíduo talvez seja um dos maiores atos de violência desse enredo.
O “Método Ludovico”, como é nomeado o tratamento de choque intenso aplicado em A Laranja Mecânica, é uma expressão fictícia que faz alusão a terapia de condicionamento, onde a cobaia do estudo é estimulada a uma associação de sensações referentes ao que é pertinente para o resultado do mesmo. No caso de Alex, qualquer ato de violência se tornou extremamente nauseante e insuportável, assim fazendo com que ele não pudesse sequer presenciar tais atos sem sentir-se doentiamente nauseado.
Mas, essa reeducação forçada que faz com que a reação física e psicológica do corpo generalize a violência, não pode ser vista como “cura” e tanto não é que quando enfim o personagem volta a sociedade, ele se depara ainda com uma decadência da moral e dos valores ao seu redor, ou seja, naquele momento ele não era mais integrante da degradação, mas se tornou vítima.
O que nos leva a refletir, pode o agressor ser uma vítima?
A construção do personagem de Alex a princípio nos faz odiá-lo, pois seus atos hediondos ferem todo o princípio de moral e de ética que construímos. Porém, ao vê-lo passar pelo tratamento não existe uma satisfação no leitor por vê-lo sofrer tal punição já que o autor constrói a narrativa de forma que, naquele ponto, Alex seja a vítima e não o agressor.
A conclusão mais lógica é que no fim ele é ambos, pois como a narrativa é feita diretamente por essa personagem nós sabemos que seu processo de pensamento não mudou de fato. Ele não se tornou menos violento por entender a natureza de sua violência e lidar com ela, ele não teve real arrependimento de suas ações. Ele apenas tratou o sintoma e não a doença e, ironicamente no terceiro ato do livro, ele é recusado e agredido pela sociedade que o cerca justamente por não ter mais o ímpeto violento e mais, ele é hostilizado justamente por sua repulsa à violência.
A resolução da trama se dá em um colapso. O título da obra tem referência ao fato de existir dentro de um organismo vivo uma parte totalmente inorgânica. A reação a violência se torna mecânica, mas mais do que isso, o próprio personagem se torna destoante de sua ambientação.
Em contrapartida, o autor faz durante toda a trama um jogo de palavras e expressões criando um dialeto próprio daquela realidade distópica.
O vocabulário de Laranja Mecânica gira em torno da linguagem Nadsat, que é tratada de forma natural na leitura. As palavras são utilizadas de forma orgânica na narrativa. Enquanto lemos, a princípio temos uma sensação de estranheza apesar de conseguirmos identificar o significado do que está sendo dito através do contexto, ainda é um tanto quanto incômodo esse dialeto peculiar. Porém, conforme avançamos na obra, essa estranheza se reduz ou se extingue, não pelas palavras estarem sendo de fato compreendidas, mas por você, leitor, já estar habituado a existência delas. Como se de uma forma muito branda, você tivesse de engolir aquilo até se tornar natural. Isso além de amplificar a experiência de imersão no universo da obra, é por si só uma forma de expressar como o contexto da humanidade descrita no livro chegou àquele ponto, onde uns apenas aceitam e naturalizam tudo aquilo que há de errado.
O livro de Burgess é recheado de diversas simbologias que trazem uma profundidade e complexidade à obra.Porém, a mensagem também é bem tratada de forma clara e dinâmica.
Aconselho a experimentar a leitura sem consultar o glossário do vocabulário Nadsat, justamente para sentir essa imersão gradual.
Reforço que o livro é explícito em suas cenas de violência e pode ser uma leitura pesada e até nociva, porém ainda é uma das bases essenciais da ficção científica!
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