Serial Experiments Lain – O que um anime da década de 90 pode falar sobre nosso presente?
Olá amigx da internet, ando meio ausente por problemas de saúde então por favor perdoem a esse pobre miasma que está aos poucos retornando a ativa.
E esse tempo fora do mundinho digital me permitiu tirar um tempo para refletir a respeito de diversas coisas e em meio a essa reflexão que trago a analise de SERIAL EXPERIMENTS LAIN. Espero que gostem!
Formato: Anime
Genero: Drama , Mistério , Sobrenatural
Autor: Yoshitoshi ABe
Direção: Ryutaro Nakamura
Estudio: Triangle Staff
Sinopse: Lain Iwakura parece ser uma garota comum, com quase nenhuma experiência com computadores. No entanto, o suicídio repentino de um colega de escola, e uma série de estranhos acontecimentos, conspiram para puxar Lain no mundo da Wired, onde ela gradualmente descobre que nada é o que parece ser.
Antes de discorrer sobre Lain, quero dizer de antemão que não é uma obra fácil de entender por uma série de razões. Seja pelo roteiro que apresenta aparentes erros de continuidade, ou pela overdose de efeitos visuais somados a uma animação pecaminosa e datada, ou mesmo pela trama da obra que se torna cada vez mais emaranhada e passa a impressão em dado momento que não se resolverá.
Existem vários pontos que tornam Lain em quesito técnico uma animação difícil de engolir, porém existe uma qualidade singular dessa obra que nos permite a análise e o diálogo de diferentes perspectivas.
Com relação aos dados técnicos, não há muito a ser discutido pois Lain é uma ficção científica cyberpunk com um toque de thriller. Sua exibição original se deu no final do ano de 1998 e o anime foi dirigido por Ryutaro Nakamura, desenhado por Yoshitoshi Abe e o estúdio responsável foi Triangle Staff. Em termos gerais, nenhum destes são grandes referências em suas respectivas áreas e Lain com certeza é para cada um deles a obra de maior reconhecimento pelo público.
Mas deixando a parte técnica de lado, gostaria de dizer que Lain é uma obra de arte, no conceito de que a arte existe para comunicar algo. E se tem algo que esse anime faz é se comunicar com seu telespectador e faz isso talvez de forma atemporal considerando que, apesar da obra ter sido lançada a quase 20 anos atrás, ainda assim permanece bem atual, senão até mais contextualizada em sua crítica do que em seu tempo.
Para se entender de fato a obra é preciso um conhecimento um pouco maior do contexto em que ela foi lançada, mas a princípio a obra se trata de uma garota tímida e introspectiva que é desinteressada por tecnologia até que em dado momento uma colega de sala comete suicídio e Lain, a protagonista, recebe um e-mail póstumo de sua colega afirmando que ela ainda existe como consciência em uma realidade paralela e que ela quis se livrar de sua forma física para encontrar com Deus. Após isso, uma série de acontecimentos levam Lain a descobrir muito mais sobre o mundo que a cerca e sobre si mesma.
Sim, um verdadeiro banquete para diversas teorias, e já existem muitas análises que vão abordar os conceitos filosóficos e sociais da trama, mas meu foco se volta na verdade não para a trama em si, e sim para a construção das personagens e em como Lain representa de diversas formas nossa geração atual de jovens criados em um mundo onde o hiper-realismo é uma mera consequência do viver.
A personagem tem um convívio social perturbador, não se sente e nem quer ser aceita e talvez isso se deva ao fato de que ela mesma duvida de sua humanidade. Durante toda a obra ela apresenta aspectos de depressão e sofre com uma constante pressão social e familiar para fazer parte de algo que nunca se sentiu à vontade em se envolver. Vejo a personagem melhor representada por um adolescente da geração atual do que uma de 98.
O Anime gira em torno da interação das pessoas através de uma rede chamada Wired, essa rede é basicamente o que conhecemos como internet e conecta todos que tenham um Nav, dispositivo que para todos os efeitos é como um computador.
Como falei anteriormente, Lain no início do anime se mostra apática a ter um Nav ou até mesmo a estar na Wired, porém após o incidente onde ela recebe o e-mail de sua colega falecida ela passa a adentrar mais nessa realidade tecnológica e pede então ao seu pai ajuda, pois o mesmo é bem inteirado com relação a essas tecnologias e possui um bom equipamento.
Ele parece feliz que a filha tenha se interessado enfim por se modernizar “você já está no ginásio, vivo dizendo que deveria ter uma maquina boa”, porém a fala que se segue é bem mais incisiva “Você sabe Lain, Nesse mundo, seja mundo real ou wired pessoas estão conectadas umas às outras e é assim que as sociedades funcionam. Até uma garota como você pode ter amigos, Lain. Não há nada a temer”. E é nesse exato ponto em que notamos que a relação familiar da Lain é estranha.
A família em si não parece interagir, a mãe é praticamente inexistente e a irmã de Lain se perde em meio aos acontecimentos da trama. Lain é sozinha e não no sentido poético de solidão, ela é excluída em diversos aspectos e se sente sozinha, se sente desconfortável e isso é nítido durante todo o desenrolar da obra.
Porém, o paralelo com a atualidade se dá no momento em que a personagem começa a interagir diretamente com a Wired. Dentro desse universo virtual, Lain descobre que existe uma espécie de consciência onipresente que se declara o Deus da Wired e mais do que isso, ela descobre que ela existe nesse universo como uma entidade muito mais agressiva e expressiva do que seu eu da realidade.
nesse ponto da trama, muitas análises abordam o conceito de transhumanismo onde o homem supera a existência física e transcende ao virtual, porém ao meu ver isso também se trata de uma abordagem simples sobre o comportamento social da internet, onde as minorias e pessoas sem voz ganham um espaço e se expressam de forma livre.
E existe uma ironia sagaz onde alguém solitário com um computador pode atingir um público muito maior do que seria capaz de falar diretamente. É um fato que na obra a existência de duas Lain se torna algo nítido aos telespectadores, porém na visão metafórica não vejo a entidade da Wired e a jovem tímida como seres diferentes, elas duas são a mesma e a personalidade dela na Wired é apenas um escape de sua realidade pouco atrativa.
Mas não basta falar de como isso pode ser interpretado, o anime dá margem para irmos mais a frente nessa abordagem.
Um ótimo exemplo é o e-mail mandado pela amiga após o suicídio, onde ela afirma apenas ter se livrado de sua forma física e que dentro da Wired ela havia se encontrado com Deus. Na perspectiva da ficção científica pode-se abordar a visão literal onde a consciência dela transcende para a Wired, porém em uma análise mais profunda isso pode apenas refletir que a menina desistiu de interações sociais diretas e passou a viver apenas on-line.
Qualquer semelhança com nossa realidade atual onde os adolescentes preferem viver através de suas mídias sociais por serem excluídos da realidade através de pressões diárias e cobranças desumanas é mera coincidência.
Mas não só nesse caso, temos também as questões da irmã da Lain que em dado momento é usada para espionar a garota. O anime tem um foco indeciso nela, sua presença pode passar despercebida em muitas cenas e isso talvez tenha sido pela falta de tempo e orçamento para trabalhar melhor as tramas alternativas, ainda assim ela tem um impacto grande. Sua participação é crucial e seu destino é um dos mais tristes dentro da história, pois sua consciência foi destruída restando apenas uma casca vazia que emitia sons de discagem dial-up.
Novamente dentro do contexto de ficção científica, temos uma situação macabra, porém na perspectiva mais metafórica a representação da perda de personalidade por pressão das mídias sociais é nítida aqui.
Como a obra é de 98 seria muita pretensão afirmar que ela realmente propõe uma discussão a respeito dessa imersão tecnológica que sofremos nos tempos atuais, ainda assim considerando a forma em que o tema é abordado e a escolha da personagem chave ser uma adolescente ginasial, não é impossível dizer que a obra mostra uma preocupação muito coerente com relação ao nosso futuro. O tempo todo se discute a dualidade do virtual com o real e como o virtual é mais atrativo e confortável em vários aspectos. A própria Lain se sente tentada quando descobre seus potenciais dentro da Wired, a capacidade de manipular a informação e existir da maneira que quiser.
Pessoalmente acho que isso é um atrativo muito crível pois vivemos dessa forma, talvez de maneira muito mais amena do que dentro do anime, mas vivemos construindo imagens que queremos passar para outras pessoas de quem somos e a internet nos permite distorcer essa imagem de forma quase que ilimitada.
Em suma, Serial Experiments Lain possui em seu contexto uma abertura para tratar da interação de pessoas com doenças como depressão, TDAH, síndrome do pânico entre outras, com a realidade e como o convívio social pode afetar cada indivíduo.
Dito isso, o importante é lembrar que a obra em si é muito mais profunda do que apenas uma ficção cyberpunk.
Não acho que tenha sido plenamente intencional, porém a maneira que a história é contada e a personalidade fragmentada das personagens são um banquete para interpretações. Pessoalmente, tenho um apreço pelo anime e ele é com certeza um daqueles que faz as engrenagens de sua cabeça girar.
Deixo a recomendação para vê-lo, mas esteja preparado pois não é algo fácil de absorver.
Um 6/10, pois o roteiro e proposta conseguem superar até mesmo alguns aspectos desagradáveis da animação em si.
Sensacional, que bela perspectiva apresentada em seu texto. Realmente não é pra qualquer um... confesso que quase desisti de ver nos primeiros minutos, a péssima escolha em alguns efeitos excessivos me transmitia um incômodo relacionado à animação, todavia, já no terceiro ep para frente, eu passei a enxergar tudo como detalhes delicadamente escolhidos, justamente para gerar a sensação incômoda, uma sensação de que você se sente paranoico e perdido. e isso, por mais que a probabilidade de não ter sido intencional seja alta, é memorável da mesma forma. Essa obra entrou junto com meus favoritas da vida: One Piece, Samurai Champloo, Lain, Bebop etc.
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