Projeto LGBT+ - Semana 4





Os parafusos de Ellen na minha cabeça.

Parafusos: Mania, Depressão, Michelângelo e Eu é uma autobiografia em quadrinhos de Ellen Forney, publicada no Brasil pela WMF Martins Fontes.
Para seguir com o projeto LGBT+ eu Thiago, seu miasma de plantão, resolvi apresentar uma das minhas HQs preferidas, a Biografia em quadrinhos de Ellen Forney.
Essa obra tem uma importância em vários aspectos. Primeiro é que Ellen é uma autora bissexual indicada mais de uma vez ao prêmio Eisner (que é como o Oscar dos quadrinhos), e em segundo é pelo motivo desse quadrinho abordar um tema difícil de uma forma bem intimista, didática e até bem humorada. O quadrinho vai falar sobre o transtorno de personalidade Bipolar. Uma Biografia em quadrinhos não é algo inédito, por sinal uma outra artista chamada Alison Bechdel tem uma HQ chamada “FUN HOME A Family Tragicomic” que se enquadra bem aqui também, afinal é uma autobiografia de uma autora LGBT+ e também fala sobre suas dificuldades e sua depressão durante a infância e adolescência, onde estava se descobrindo.
Mas então, qual o motivo de eu ter escolhido a Ellen?


São dois pesos e duas medidas. No fim, a Ellen ganhou da Alison na minha escolha pela sua abordagem.
Parafusos é uma leitura muito mais leve que FUN HOME, ao mesmo tempo que muito mais intensa, ao menos ao meu ver, pois o quadrinho traduz bem o que é estar nos extremos da Mania e da Depressão e ser Bi, tanto no aspecto de bissexual quanto de bipolar, que por muitas vezes é mais desconfortável.
Dentro da comunidade LGBT+ muitas vezes o Bi se sente deslocado, muitas vezes a bandeira que levantam tem um certo descaso com esse grupo e são tratados como “Indecisos”, “Confusos”, “ Medrosos demais para se assumirem”...
Claro, todas as bandeiras importam, todas as causas valem dentro da sigla e todos deveriam se sentir acolhidos e representados, mas sabemos que na prática não é bem assim que a banda toca. Por isso, em meio ao extremos, escolhi uma artista com quem simpatizo, que se encontra no meio das fronteiras e espero que vocês consigam apreciá-la tanto quanto eu. Agora voltando A PARAFUSOS. A obra começa apresentando a autora e mostrando sua personalidade explosiva.
Os desenhos de Ellen são livres e muitas vezes não se limitam pelos quadros da página, algumas páginas nem quadros tem, a informação é despejada como uma avalanche para os leitores. Mas, se conseguirmos nos atentar ao fio da meada, podemos ver a qualidade do diálogo.
A leitura da obra é como um bate-papo direto com a Ellen, ela te instiga a isso pois tem uma forma muito cativante de prender o leitor, seja pela sua arte que transborda para todos os lados ou pelas tramas malucas de sua própria vida que transforma o corriqueiro em algo escandalosamente divertido ou dramaticamente intenso!


Mas o mérito real vem em sua capacidade descritiva. Ela consegue por todo o processo de diagnóstico e aprendizado no papel, e um dos pontos que ela aborda na obra que realmente me instigou foi como a sua doença afetava sua arte. Ellen se questiona mais de uma vez a respeito do tratamento, com medo de que os remédios a deixassem em uma espécie de calmaria constante que lhe impedisse de ser criativa. Ela achava que a criatividade estava relacionado aos seus episódios de mania e essa dualidade entre ser saudável e ser artista se estendeu durante o quadrinho. Uma dualidade que em tempos recentes teve uma resposta enfática, Hannah Gadsby em seu especial da Netflix, “Nanette” também aborda sua depressão e sua criatividade com uma resposta impactante onde ela nega às pessoas de que o artista deva se inibir de seu tratamento pela sua arte, ou melhor, um artista sem o devido tratamento talvez nem seja capaz de vender sua arte.
Ela utiliza o exemplo de Van Gogh, um exemplo em comum com Ellen em Parafusos, mas com olhares pouco distintos. Enquanto Hannah é enfática, Ellen é questionadora a respeito.
São duas obras paralelas, uma em um Show de despedida e a outra nos quadrinhos, ambas artistas que se encontram no ponto comum de estarem diagnosticadas com Depressão ou Bipolaridade.
Talvez todas as pessoas dentro do cunho artístico que tenham seu diagnóstico ou suspeita de uma doença do gênero tenham passado pelo dilema de questionar a criatividade perante a doença ou de relacionar ambas, mas tanto Hannah quanto Ellen chegam a uma conclusão comum, se tratar é essencial.
Ellen descreve isso de uma forma bem reconfortante em seu quadrinho onde ela estabelece um diálogo com seu eu futuro confrontando-a e explicando que os medicamentos não mudaram sua personalidade, apenas a ajudaram a se manter no controle. Hanna é um pouco mais incisiva e joga a seguinte frase:
"(...)Para ser criativo alguém tem que sofrer? Que esse é o fardo da criatividade? Só para você aproveitar? Vá se foder cara!(...)"


Seja por Hannah ou seja por Ellen a questão se encerra nesse ponto, ser doente e se tratar não implica em se inibir da criatividade. Aliás, se vocês ainda não assistiram Nanette da Hannah Gatsby no Netflix vocês DEVERIAM mesmo assistir. Voltando à Ellen, não só sua Bipolaridade influenciava em seu trabalho, mas também em suas relações, e a HQ faz questão de mostrar como esse processo de descobrimento foi importante para autora.
Sua relação com a sua família, com seu círculo de amigos e consigo mesma é mostrada na perspectiva tanto da mania quanto da depressão e nós, leitores, termos o acesso a ambos os pontos de vista da autora é uma das melhores qualidades da biografia. Por fim, acompanhar a artista através de sua biografia e ter essa visão singular de seus altos e baixos e até de seus colapsos torna essa leitura uma experiência singular e atrativa.
O traço de Ellen e sua forma de se expressar torna tudo muito convidativo e entender o processo criativo dela é uma oportunidade de aprendizado que ela nos doa em sua obra.
A leitura desse título me traz diversas reflexões sobre criatividade e autoconhecimento, além de mostrar sem escrúpulos todos os lados da moeda. Ela não condena totalmente seus períodos maníacos, mas admite que apesar da sensação de onipotência, se sentia insaciável e elétrica demais tornando penoso para seus amigos, parceiros, parceiras e até familiares lidar com isso.
Os diálogos com a psiquiatra são extremamente didáticos e esclarecedores, e o tom da obra é sempre de liberdade, mesmo a forma como ela é escrita é livre e bem elaborada! Deixo a dica de leitura para os amantes de quadrinhos de plantão e para os curiosos.
E é uma leitura essencial para quem está envolvido, ou gostaria de se envolver, com algum nicho artístico!





Comentários

Postagens mais visitadas